segunda-feira, 30 de abril de 2012

FORGIVE & FORGET

A vala estava cheia de silvas mas Adozinda logrou encontrar o pontão, aquela espécie de pequeno túnel para escoamento de águas, que atravessava por debaixo da estrada. Josué, o parvo da aldeia, já lá estava á sua espera com uma pequena lamparina de álcool acesa para alumiar o esconso túnel. Também tinha posto no chão uns cartões para não se enlamear. Tinha trazido um papo-seco com chouriço para matar a fome enquanto Adozinda não chegasse. Ela tirou as cuecas e do bornal tirou um carapau. O rapaz sorriu, acabou de engolir um naco de pão com a ponta do chouriço, a que tinha o cordel e ficou á espera. Adozinda começou a passar lentamente o dorso do carapau na vagina, até ficar com os pelos púbicos cheios de escamas. O rapaz continuou a mascar o cordel do chouriço e a olhar para ela. Depois ela virou o peixe ao contrário e começou a esfregar a intimidade com a parte da barriga. As tripas do peixe começaram a sair para fora e a escorrer pelas virilhas. Com um dedo diligente, Adozinda retirou as ovas do carapau e esborrachou-as contra o clitóris. Josué apanhava os pedacinhos de tripa, assava-os na lamparina e entretinha-se a dá-los às ratazanas que por ali passavam. Nisto, uma enorme cabeça assomou a entrada do pontão. Era uma vaca que pastava na vala e foi atraída pelos gemidos de Adozinda e os risinhos de Josué. Era Emídio Bezelga que andava a pastar o animal e a trazia presa por uma arreata de corda. - ‘Ó daí! O que é que vocemecês estão fazendo aí dentro, omessa?’ – gritou Emídio na entrada do pontão. - ‘Ai, cruzes. Estamos a fazer a merenda, carago!’ – disse Adozinda. -´Ó valha-me o Menino Jesus,…aí dentro? Vocemecês não a estão fazendo boa, ai não estão não…’- Gritou Emídio. Josué tinha-se assustado e saído pelo outro lado do pontão, fugindo pelo campo do outro lado fora, até se esconder atrás de um sobreiro. Adozinda saiu acocorada do pontão sem cuecas nem saias e com o carapau todo espapaçado e com a espinha meio partida numa mão. Emídio Bezelga olhou estupefacto para as miudezas da rapariga e para a pasta de tripas e pêlos que escorria pelas virilhas para cima das socas. -‘O que é que tu estás a olhar, ó Emídio? Nunca viste, foi?’ – Disse ela. A patear a lama da vala, afastou-se a resmungar sozinha brandindo o que restava do peixe. Duas semanas depois Josué e Adozinda foram obrigados a casar. A boda foi de arromba: o pai de Adozinda matou dois porcos e o de Josué duas vacas, mas deixou-as caídas numa vala a apodrecer e cheias de moscas porque se esqueceu onde as tinha deixado. Emídio Bezelga também perdera a sua vaca, que entretanto morrera atropelada e por isso ele embebedou-se a valer na boda. Gritava: -‘Era tudo mentira, carago! Eu não vi o Josué a comer o melhor da Adozinda. Eu tenho é inveja. Eu é que queria casar com ela, carago! Ai, caragos, homem, que eu fui desgraçar estes dois pobres moços…!’ Josué esquecera-se que tinha acabado de casar com Adozinda e foi, como de costume, armar aos pássaros para o olival do pai. Lá, o pobre ancião estava a acabar de bater uma zumbinha e a sacudir a gosma para cima duma panelinha de barro que estava ao lume e divertia-se a ver fritar o seu próprio sémen. Embaraçado pela súbita aparição do filho, disse-lhe: -‘Então, Josué, quando é que vais ás sortes?’ O rapaz disse-lhe: -‘Mas, ó pai, já fui…só que não me aceitaram porque sou parvo, lembra-se?’ -‘Ah pois, é verdade. Olha filho, vamos é aqui beber uma malga dele e deixa lá a Adozinda. Ela que se vá foder, mas é’. Adozinda também abandonara a boda, onde já estava quase toda a gente bêbada e caída no chão. -‘Eu quero é que eles se fodam todos…Eu vou servir para Barcelos e nunca mais me põem a vista em cima’. Passado uns seis meses, o pai lembrou-se de Adozinda e foi ver se a via, como era hábito, a brincar com os porcos. Lembrou-se que a filha gostava de se ir esconder no pontão, mas só lá encontrou Josué que tinha tirado a pele de um chouriço inteira e a estava a experimentar como se fosse um preservativo. -‘Atão, ti Jacinto! Tal vai isso?’ -‘Viste a minha Adozinda, Josué?’ ‘Não vi, não senhora. Eu acho que ela foi servir para Lamego há umas três semanas. Ou foi para França, não me lembro bem’. -‘Obrigado rapaz, Deus te guarde’. -‘Adeus Ti Jacinto!’ Passados dois anos, Jacinto recebeu uma encomenda que dizia assim ‘ Para a minha mãe mando este transístor para ouvir a ‘Simplesmente Maria’. Beijos. Adozinda’. O pobre homem deixou rolar uma lágrima pela face enrugada e disse baixinho: -‘A pôrra da moça não se lembra que a mãe morreu com um coice de uma vaca quando estava a ordenhar, quando ela tinha seis meses, carago…’ E foi a cambalear até á taberna apoiado na sachola. FIM

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Manifesto

Por um novo cinema – o porno neo-realista

1. Vão difíceis, os tempos.

2. Os tempos vão difíceis e não caminham para fáceis.

3. Caminham, os tempos, mas devagarinho, agarrados à arrastadeira. E usam fraldões para incontinentes.

4. A malta vê-os passar, os tempos, no seu andar miudinho, mas finge que não repara.

5. É preciso mostrar o que as pessoas não querem ver, destes tempos. É preciso afocinhar naquilo que se preferiria ignorar.

6. A única maneira de trazer à consciência aquilo que se preferiria ignorar é através de uma objectificação.

7. Nada objectifica melhor que a pornografia.

Estes são os pressupostos básicos para a construção de uma nova linguagem cultural que o Movimento Vareta pretende instituir. Uma linguagem política e socialmente empenhada, devedora do neo-realismo, mas ultra-capitalista na consciência clara e sadia de que a única forma de integrar os elementos sociais ‘invisíveis’ é através da sua exploração comercial.

Como fazê-lo, então? Com verdade! O porno neo-realista pretende-se uma nova linguagem, mais verdadeira que o cinéma vérité, mais documental que o documentário, politicamente subversiva. Pretende-se transformar o tempo da masturbação num momento de reflexão social e política. Cremos que é urgente. Cremos que é preciso.

Caso 1 – Os sem-abrigo

Os sem-abrigo incomodam. Estorvam. Estão para ali. Não têm uso. Não aproveitam a ninguém. Empecilhos. Ao menos que os escondessem. O porno neo-realista não pode ficar indiferente a este desejo de não ver. É preciso mostrar os sem-abrigo enquanto objecto puro, sem qualquer espécie de subjectividade. E como? Mostrando-os a pinar; trazendo à líbido colectiva a imagem do sem-abrigo enquanto objecto da luxúria. É assim que a primeira produção do Movimento Vareta se projecta, sob o título “Aceitam-se esmolas... pela frente e por trás” – a história crua de uma sem-abrigo madura e da sua sexualidade. Cientes da diversidade do mercado, outros títulos se perfilarão, com a colaboração dos notáveis especialistas desta casa, como “Incidências do abcesso anorretal na população sem-abrigo” e “O matulão do cartão”.

Caso 2 – A ruralidade

Vou ali ao shopping. Apanho transportes. Sou cosmopolita e urbano. E a minha tia-avó ainda vive num casinhoto numa aldeia esquecida onde não vou porque não é bem o meu mundo. O porno neo-realista não pode ficar indiferente a este desejo de não ver. É preciso mostrar o mundo rural como ele é, enquanto objecto, sem lirismos nem significado. E como? Mostrando-o a pinar. O Movimento Vareta projecta para breve as longas-metragens “Lá me partiram a cantarinha”; “Tudo medra no regadio”; “Vou dar de comer ao gado”; “Deita aqui o Foskamónio” e o futuro clássico “Uma na enfusa, outra no almude”.

Todos os filmes do Movimento Vareta serão fruto de um aturado trabalho de campo, com elencos de amadores recrutados entre as populações alvo, sem caracterização e sem argumento. Pretende-se o nu e cru da sexualidade dos retratados. Não é uma questão de ‘dar voz a quem a não tem’; é antes a assunção clara de que a fetichização, no sentido marxista do termo, é a única forma de trazer ao mercado aquilo que o mesmo empurra para as margens. Projectos como “Balbúrdia no Piquenicão”, sobre os clichés da baixa cultura; “A peida do almeida”, sobre a recolha de lixo; ou “C’a ganda seringa!”, sobre a toxicodependência; pretendem acordar a reflexão sobre estes temas ao nível primário da tesão – para que a pornografia e a masturbação não sejam escapes mas antes formas activas de envolvimento social. Em última instância, cremos ser o desejo o único cimento da verdadeira integração.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Histórias que acabam depressa, III

E ele esmaga o cigarro no cinzeiro e vai e diz:


- Sabes, começo a estar naquela idade em que um dos meus medos é que alguma miúda hipster me venha dizer "Gosto de ti porque és vintage".

sábado, 7 de abril de 2012

Histórias Pascais (porque não? - ao estilo das histórias do Vareta)

Ele: - Tenho a sarça ardente.
Ela: - É um milagre, ao fim de tanto tempo...